No distante ano de 1274, Kublai Khan, neto de Gengis Khan, iniciou a primeira das suas tentativas de dominação das ilhas japonesas, partindo da península coreana. Para o imenso Império Mongol, que se esticava da Europa até a Ásia, parecia que seria fácil esmagar e pilhar mais uma pequenina nação que era constantemente arrasada por suas próprias guerras internas e disputas de poder.

Mas hoje sabemos o que se deu: Kublai Khan desistiu do arquipélago nipônico após duas tentativas frustradas e a derrota marcou não só o fim da expansão mongol como a consolidação do Yamato Damashii, o espírito coletivo da nação japonesa. O novo Ghost of Tsushima é um épico da Sucker Punch que reconta essa história de forma ficcional com toda a glória e drama que ela merece. Mas será que é um bom jogo ou apenas um GTA de kimonos?

Passeando pelo Japão feudal

Reunindo os melhores clichês das histórias de samurai no cinema e nos quadrinhos, Ghost of Tsushima é a jornada de Jin Sakai, sobrinho do governante da ilha de Tsushima, que fica a apenas 50 km da costa coreana e é o primeiro território japonês invadido pelas tropas de Kublai Khan. Sem a ambição de ser historicamente correto, o roteiro do jogo coloca o fictício general Khotun Kahn como antagonista principal, um ardiloso general que massacra os samurai da ilha logo na sequência inicial do jogo. Jin sobrevive, mas para revidar precisará quebrar paradigmas e passar por uma dura jornada de autoconhecimento.

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Partindo dessa premissa, a narrativa se desenvolve como de forma habitual em jogos de mundo aberto: um enredo principal e diversas histórias de suporte, que podem ser desenvolvidas na ordem que o jogador preferir, aprofundando melhor nos personagens e na ambientação da própria ilha.

Apesar de não ser a melhor história de samurais ou o melhor roteiro de jogos do ano, o enredo é super cativante, com personagens bem construídos e discussões sobre temas profundos, como honra, dever, lealdade e morte. O tom sóbrio se mantém por boa parte da história de Jin, com raros alívios cômicos. Ou seja, faz jus às suas referências e deve agradar os jogadores que esperam ansiosos por uma boa aventura no Japão feudal.

Além disso, o mapa imenso é recheado com diversos pontos de interesse, colecionáveis e desafios especiais, atendendo bem tanto quem gosta de temas relacionados ao Japão feudal como aqueles jogadores que se rejubilam dedicando muitas horas na exploração de cada detalhe do jogo.

O conteúdo incrível é talvez a principal razão pela qual passear pela ilha de Tsushima seja tão divertido e envolvente, mas certamente não é a única. Para deixar que os jogadores admirem todo o esplendor gráfico do jogo, com partículas de folhas por todo canto e paisagens de tirar o fôlego, existe um sistema de navegação inovador. Em vez de um mini-mapa no cantinho da tela ou outras opções de poluição visual, é o vento que guia Jin para o seu destino.

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Ao arrastar o dedo no touchpad do controle, os jogadores chamam uma lufada de vento que aponta para a direção desejada. Os pontos de destino são definidos em uma outra tela, onde aí sim existe um único mapa, desenhado em um estilo que remete às ilustrações orientais de nanquim. Outras soluções igualmente elegantes para a navegação aparecem de vez em quando no jogo, como um pássaro que acompanha o jogador pela rota até um ponto de interesse ou torres de fumaça no horizonte sinalizando algum tipo de assentamento inimigo.

Homenagem a Akira Kurosawa

Ghost of Tsushima não esconde em momento algum que sua principal inspiração é o cinema japonês. Na verdade, antes mesmo de começar o jogador é confrontado com três opções visuais: o modo “normal”, o modo cinema oriental, com diálogos em japonês e legendas em português e o modo Kurosawa, em preto e branco, uma homenagem especial ao diretor de Sete Samurais e tantos outros clássicos.

Ghost of Tsushima em seu modo Kurosawa

Mas não se engane: apesar da temática nipônica, Ghost of Tsushima tem o DNA de uma megaprodução hollywoodiana. Em outras palavras, é um mundo aberto muito mais Far Cry do que Zelda. Além disso, um pequeno detalhe pode trazer incômodo real para quem anseia por uma experiência samurai autêntica: a dublagem original é em inglês e a sincronia labial acompanha o idioma.

Logo, mesmo se você optar pelos modos cinema japonês e Kurosawa, terá o desconforto de ler os lábios dos personagens dizendo “Thank you very much mister samurai” enquanto escuta “Domo arigato gozaimasu o-samurai-sama!”.

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Em um jogo com uma produção tão cuidadosa e minuciosa, pode parecer uma implicância exagerada chamar atenção para um pequenino detalhe como este. Mas a verdade é que justamente pela excelência no restante que a sincronia labial descoordenada com a dublagem japonesa causa um “vale de estranhamento” nos jogadores.

Superando esse incômodo, é um prazer se deliciar com a parte visual e sonora de Ghost of Tsushima. Os cenários são cuidadosos e, mesmo se tratando de um jogo de mundo aberto, não existe a sensação de repetição excessiva de elementos. Cada novo local explorado tem novidade o bastante para valer a visita e não é cansativo ir e vir. Naturalmente, existe uma opção de viagem rápida para que não seja necessário cruzar a ilha à cavalo o tempo todo.

Fluido como a água

Salvo exceções raras como o sistema de navegação pelo vento, não existem inovações significativas nas mecânicas de jogabilidade de Ghost of Tsushima. É um jogo em terceira pessoa de combate corpo-a-corpo, com opções de aproximações furtivas e assassinatos, como muitos outros por aí. Tudo é muito bem executado e se encaixa como uma luva no restante do jogo, mas nesse aspecto a equipe de design preferiu não correr riscos.

Após um começo limitado, Jin pode aprender novas técnicas e posturas de combate que aumentam as opções e dão um repertório interessante para os jogadores, especialmente nas batalhas contra múltiplos inimigos. Quem prefere dar a cara e entrar de peito aberto na briga, pode literalmente desafiar os adversários para duelos e depois alternar entre posturas de batalha diferentes para liquidar hordas mongóis, ronins e bandidos.

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Já os fãs de ninjas e jogos de furtividade podem se aproximar silenciosamente e assassinar seus inimigos pelas costas, se valendo de armas de longo alcance, bombas de fumaça e outros artifícios sórdidos.

Sendo um ou outro caminho, a certeza é que a jogabilidade de Ghost of Tsushima atende às expectativas. É prazeirosa, leve e desafia os jogadores na medida certa. São raros os momentos em que é preciso um esforço descomunal para superar algum obstáculo. Da mesma forma, a maior parte do tempo o jogador sente que está sendo devidamente desafiado.

Por fim, vale a pena destacar as curiosas variações de mecânica do jogo, como por exemplo um modo em que Jin se senta para contemplar a paisagem e compor um poema, e o jogador escolhe as estrofes com calma e suavidade. Em contraste, existem os desafios de corte de bambu, em que é preciso apertar rapidamente sequências de botões para ser bem sucedido. Em um jogo que pode tomar longas horas, essa alternância no ritmo é muito bem vinda.

Tudo em Ghost of Tsushima parece estar no lugar certo. A megaprodução da Sucker Punch não deixa os fãs de filmes de samurai na mão e entrega uma experiência imersiva no Japão Feudal. Emoldurada por uma combinação harmônica de paisagens deslumbrante e uma trilha sonora que vai da ação à contemplação sem deslizes, a jogabilidade é sólida e refina o que já foi testado e aprovado em jogos similares, sem inovações ou ousadias exageradas. Provavelmente o último grande exclusivo do PS4, é um jogo que encerra dignamente uma era.

9/10

– Marcelo Faria